O Francisco é um rapaz nosso amigo, quase desde o início desta jornada e tem-nos acompanhado com os seus poemas lancinantes. O texto que nos escreveu há 3 anos atrás ficou emaranhado neste abstruso alinhamento editorial que é o nosso. Sem preocupação, tudo aquilo que vem escrito adequa-se perfeitamente ao tempo de hoje pois fala-nos de uma cidade que ele e nós adoramos, mas que não queremos perder de mão-beijada. Estas palavras do Francisco também são para vocês pois são intemporais.
A cidade do Porto vive actualmente um enorme flagelo,
está na moda!
Os turistas low-cost, os pseudo estudantes universitários, a destrutiva noite da Baixa.
As Casas de Cultura estão vazias de efectivo valor ou fechadas a círculos de amigos que se convidam e elogiam mutuamente, apresentando ou repondo banalidades ou realizações inatingíveis, de tão presas ao seu umbigo.
Todos se dizem abertos à cidade, à sua população, mas onde é que ela está?
Está na moda, e tudo o que está na moda sofre de vazio.
A moda, ou o estar na moda, é uma falsa visão e vivência de algo, que pouco dura, que suga, e que alimenta só alguns, sanguessugas, indiferentes ao valor intrínseco da vítima.
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No pouco que acontece fora de moda encontramos sempre os mesmos, uma espécie de turma decadente, que alinha, dizendo-se contra. Essa contra-cultura que deixou de o ser porque na sua representação microscópica também está na moda ou imbuída do natural egoísmo e vaidade que caracteriza os artistas em geral, e que, neste caso de urgência, até podia ser válida se poeticamente terrorista.
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Tudo se banaliza nesta corrente destrutiva, os locais históricos e com estórias estão vazios, ou com meia dúzia de velhos, esses sim, pessoas ainda interessantes mas que necessitam de outras companhias pois o enriquecimento do ser e da vida, faz-se da mistura de tudo e de todos e não do elitismo, mesmo que não forçado.
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Outros, por falta de público, de matéria-prima, vão fechando, e, ou ficam a cair aos pedaços, ou são transformados em espaços banais, modernos, franchisados, sem qualquer alma, sem vida e/ou ligação ao espaço onde estão e à história que transportam, salvo o habitual quadro na parede com uma fotografia da Ribeira do Porto, ou da Ponte D. Luís I.
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O facto da Cidade do Porto estar na moda, faz com que todos falem nela, interessados não no conteúdo, mas no proveito que podem retirar de assunto tão in.
Esta realidade fez com que outra surgisse, então temos que todo o Portugal fala bem do Porto, dizem agora que no Porto é que é, e vêm nele a salvação para os seus anseios perdidos, num Portugal perdido.
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Muitos são os que vêm para cá à procura de tal milagre, mas depois, ou ele não acontece, ou passam a ser só mais uns, parte do rebanho que o suga e destrói.
Muitos há que por troca de algum favor, ou simplesmente por serem politicamente alinhados, estão à frente de instituições e/ou património de valor incomparável. Mas não sabem, obviamente, dar-lhes vida, sendo que na maioria dos casos retiram, ocultam, ou mal tratam, o que graças a uma Cidade Monumental, já lá estava.
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Não importa dar exemplos, seriam redutores face a tão enorme praga.
No Porto, até o chão que pisamos é belo e valioso.
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Convém não esquecer, que por detrás desta moda, estão meia dúzia de senhores, que vão alastrando os seus tentáculos mafiosos e os negócios sujos, retirando da cidade e principalmente da Baixa, o seu comércio tradicional. Da mesma forma que se retiraram os seus habitantes, por interesses imobiliários.
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Esse comércio tradicional, que como sabemos está na base da própria existência da Invicta, característico e caracterizador de cada zona da mesma, é uma herança que vem percorrendo famílias ao longo de muitas gerações, pessoas que conhecem bem o que vendem e sabem do que falam, respeitam a zona, a rua, os vizinhos e até os concorrentes, para não falar da forma ainda humana como atendem os clientes.
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Tudo isso está a perder-se, dia após dia.
A Cidade do Porto está a perder o que mais a caracterizava e a distinguia.
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Sempre fomos avessos à mudança:
A quando da construção do Coliseu, dizia-se: que feio arranha-céus, para que servirá? Sou contra!
A quando da colocação da escultura do Cubo, na Praça da Ribeira, a maioria foi contra, o que é esta coisa? Estou contra!
No lugar da Casa da Música preferíamos a antiga garagem dos Eléctricos….
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Infelizmente, o que exponho neste sentido texto, não se trata desta característica de teimosia, tão portuense, bem como a irreverência, o Porto e a sua população sempre foram irreverentes.
Aqui nasceu Portugal, aqui nasceram as grandes revoluções e mudanças que o país viveu, aqui nasceram a maioria das mulheres e homens de mais rica alma, aqui é Norte, é Porto e é suficiente.
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Estar vivo é mudar e a Invicta está viva, sobreviveu a muitas gerações de homens sem carácter, e a muitas investidas de bárbaros invasores. A sua idade faz deste tempo um só dia e o amanhã virá.
As modas felizmente passam e os nomes não são puros acasos, este é o seu:
Para sempre Nobre e Leal, Invicta Cidade do Porto!
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Francisco Félix, 23 de Outubro de 2011, Porto.