Pegámos nesta notícia do JN, do último sábado 14 de Novembro de 2009 – “Mais gravações na Ribeira” – para articularmos sobre esta forma estranha que os “media” nacionais têm de comunicar com o cidadão, a quem ajuramentaram prestar um serviço público.
Ao utilizarmos este exemplo corremos grandes riscos de sermos acusados de nos envolvermos em quezílias pessoais com uma associação ou com o seu dirigente, mas muito para além disso, este apenas é um excelente e providencial assunto que serve os propósitos de poder demonstrar o que queremos dizer, sendo um bom e compreensível exemplo.
Lamentamos, portanto, que se deixem toldar pela perseguição ou qualquer outro sentimento mesquinho, sem verem o fundo da questão, algo que já anunciávamos no nosso anterior artigo e que dá nome ao presente.
No caso concreto, trata-se da cobertura mediática incessante que um personagem de significância muito relativa, presidente de uma associação com um espectro de actuação limitado na vida orgânica de uma comunidade, que, misturando os papeis, foi também o candidato a presidente da Junta de Freguesia, a mais pequena da Cidade do Porto (mas certamente uma das mais apelativas).
Neste particular da notícia, onde abunda o paradoxo e a contradição em termos, reivindica a necessidade de se proceder à gravação diária (durante 24 horas) da videovigilância, uma vez que o investimento se encontra feito, mesmo que reforçando “a zona nunca é perigosa”.
E a questão coloca-se neste preciso ponto em que esperaríamos que um jornalista perguntasse qual o argumento ou argumentos de sustentação desta reivindicação, que não seja apenas a existência das câmaras no local, porque seria isso que deveria interessar aos seus leitores. Ou seja, tal como a figura do recurso a uma sentença, que motivos acrescem para que as medidas tomadas tenham de ser alteradas, neste caso, agravadas.
Ou então, trata-se de mais um bocejo, como tantos outros, com a plateia cúmplice da comunicação social.
Nos dias que correm, será talvez mais fácil perceber os mediáticos bocejos porque, na verdade, o que há é um mediático sono que parece não ter fim.
Assistir ao que se vai lendo nos jornais, ao que se vai ouvindo nas rádios, ao que se vê a custo em muitos telejornais das televisões, só nos pode levar a uma conclusão: ou os jornalistas dormem profundamente, ou lhes está a ser administrado um poderoso sedativo.
Porque não é fácil entender o que leva os jornalistas sempre pelo caminho do fácil e do óbvio, do que não procura o conhecimento e o aprofundamento dos temas.
Será só o corre-corre diário de que tantos jornalistas se queixam mas contra o qual nada parecem opor? Será só a exigência de resultados económicos imediatos das suas frágeis empresas de “media” que os lançam na falta de método, na precipitação do que não verificam, na informação “fast-food” com que somos ininterruptamente (mal) servidos?
Ou será um outro problema, mais profundo, o da total falta de sentido crítico nas actuais redacções, causado pela total ausência de qualidade dos profissionais que as compõem?
Na resposta a estas questões talvez esteja algo de muito mais importante do que a mera defesa do bom jornalismo: ela significa um outro patamar de cidadania, de qualidade da democracia em que ainda julgamos viver.
Talvez nunca como hoje tenhamos tanta necessidade de uma imprensa, rádio e televisão livres e formadas pelos melhores. Porque a informação rápida, de fácil “compra” e “venda”, a informação-espectáculo que prefere procurar apenas a superfície e o supérfluo, a informação do “soundbyte” e do protagonista laroco e bacoco, essa é seguramente a informação que só serve os que querem ver a cidadania moribunda e a democracia a definhar.
Por isso, o mediático bocejo só pode ser resultado de um sono profundo dos “media”. O problema é que o resultado pode ser catastrófico.
Porque, como escreveu sabiamente Guy Debord, em 1967, na sua obra seminal “A Sociedade do Espectáculo”, “o espectáculo é o sonho mau da sociedade moderna acorrentada, que não exprime senão o seu desejo de dormir. O espectáculo é o guardião desse sono“.
nota a 05 Dezembro 2009: O facto de se passarem apenas 13 dias, para sair nova ‘peça jornalística’ a dizer mais do mesmo sobre a ribeira vigiada, corrobora aquilo que temos vindo a expor sobre o assunto.
nota a 14 Dezembro 2009: É uma torrente insuportável de disparates, irresponsabilidade e bacoquice. Senão, vejam o conteúdo das notícias e reparem nas datas: Bares reclamam cadastro do cliente – 2009-12-08 ; Associação de Bares defende gravações por 24 horas – 2009-12-14. Isto é viciante!