O Governo de Portugal, ao nomear uma assessora de Luis Filipe Meneses para o cargo de Directora da Delegação Porto do IHRU, arruma para um canto, dois rui’s (e mais algumas rameiras políticas que, nervosos, se colocavam pululantes em bicos de pés) de uma assentada. Um Rio e outro Moreira, perdem assim mais uma batalha, esta talvez letalmente decisiva, na guerra de sucessão em que o primeiro envolveu a cidade exangue e o segundo se deixou estupidamente envolver por aquele. Ambos, conscientes de terem ficado para trás no apeadeiro, perdida a guerra, envolvem-se na decadência de causar o maior número de danos aos adversários quaisquer que eles sejam, que no caso do nosso primeiro autarca até são do mesmo partido e do último ainda não percebemos bem.
O que disto resulta para nós portuenses é um punhado de ar, um adiamento constante das nossas vidas, uma reabilitação de cidade em constante retrocesso. Para prosseguirmos nesta conversa, teremos que ter em mente que o IHRU é detentor de 60% da sociedade de reabilitação urbana Porto Vivo, por decisão da Câmara do Porto, que estrategicamente optou por ficar com os restantes 40% do capital e responsabilidades na empresa que constitui em 2004, para gerir o processo de reabilitação da Baixa do Porto, numa área designada por ACRRU.
Avivando a memória colectiva fomos à procura de alguns momentos que se revelassem cruciais para caracterizar o desempenho de Rui Rio em matéria de reabilitação urbana da cidade, trazendo aqui um pouco de história.
1º Momento – Quando Rui Rio chega à Câmara do Porto em 2002, a cidade encontrava-se em pleno estaleiro e a tentar ‘deglutir’ um processo longo e abrangente (em área) de transformação urbana, com inúmeras obras por acabar, a maioria dos orçamentos ultrapassados em demasia e com os previsíveis danos económicos e sociais para os seus habitantes – era a Porto 2001. A reacção do novo executivo é descrita, dez anos depois, com a exatidão histórica de dois dos intervenientes no processo, os arquitectos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez, professores da FAUP. O que projectaram para a Praça D. João I ficou inacabado e as galerias que podiam ter sido convertidas em cafés são hoje arquivo bancário (agora para recuperar o preconizado pela Porto 2001, montam-se tendas com festivais da francesinha, etc.). Neste excelente trabalho multimédia do Jornal de Notícias (5º vídeo) as suas palavras soam em discurso directo: “(…) quando a câmara mudou e o presidente da câmara foi alterado, foi para lá o Dr. Rui Rio, ele acabou com esses projectos todos (da praça) como acabou com quase todos (os restantes, do Porto). Os projectos que ficaram inacabados, ficaram inacabados para sempre. (…) As razões foram fundamentalmente políticas, não foram financeiras. Houve uma intenção política de desmerecer a Porto 2001 e portanto, tudo o que a Porto 2001 fez foi desmerecido pela nova gestão camarária. E além de ter sido desmerecido, como ficou inacabado, muitas coisas ficaram incompreensíveis. E outras foram-se degradando e nunca foram arranjadas, exactamente para, do meu ponto de vista, ter o aspecto de degradação, para mostrar que as intervenções da Porto 2001 foram uma desgraça para a cidade e não uma qualificação. (…)”
2º Momento – De 2002 a 2004 desenvolve a sua estratégia muito peculiar de esvaziamento das instituições existentes e a desempenhar papéis relevantes no terreno, como o CRUARB e a FDZHP, ao mesmo tempo que cria a FDSP e a Porto Vivo. Em Julho de 2003, a propósito da criação da legislação das SRU’s, Rui Rio mostrava satisfação com o novo modelo: “A criação das SRU tem a ver com o facto de existir nas baixas do Porto, de Coimbra e de Lisboa, um vasto património edificado que está abandonado e deteriorado, por força de uma lei do arrendamento, já muito antiga, que congelou as rendas. É preciso criar um modelo que permita a reconstrução das baixas, um investimento de milhões e milhões de contos de negócio para a construção civil. Mas não há orçamento da Câmara ou do Estado que o possa fazer. O modelo das SRU visa transferir para os privados a totalidade do investimento em termos de reconstrução das baixas e que todo esse processo seja agi1izado e desburocratizado. Sem este instrumento, é impossível renovar a Baixa do Porto ou a de Lisboa, porque a intervenção demoraria muitos e muitos anos. E punha uma excessiva carga financeira nos dinheiros públicos, que não têm, neste momento, qualquer possibilidade de a suportar.” O enquadramento final para o postal se compor tinha pois como princípio desligar-se das instituições que anteriores executivos tivessem criado, conforme se percebe pelas declarações que profere em Novembro de 2004: “O presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, defende a extinção Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica (FDZHP). O autarca sustenta que o “serviço considerado válido” prestado por aquela entidade – reabilitação urbana e acção social – devem ser absorvidas, respectivamente pela Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) da Baixa e pela Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto (FDSP). (…) De acordo com Rui Rio, a Câmara não tem meios financeiros para sustentar esta estrutura, pelo que é necessário efectuar uma “gestão racional”, Para o autarca, não faz sentido que haja uma fundação por freguesia, embora, ironizou, até isso servisse “para arranjar empregos a alguns amigos”. Sustentou também que a FDZHP foi um dos erros que contribuiu para a dívida de 60 milhões de euros herdada do anterior executivo socialista. “Quando não há dinheiro paga-se assim. Fica um buraco” disse, apontando os exemplos da Praça de Carlos Alberto, do Túnel de Ceuta e da envolvente do Hospital de Santo António.”
3º Momento – Não deixa de ser curioso contudo que os primeiros indícios que nem tudo cheirava bem no Reino tivessem sido previstos tão cedo, logo em Julho de 2006, quando num almoço para empresários espanhóis e portugueses se percebe que: “A reabilitação da baixa portuense, recordou Rui Rio, “é um negócio excelente para o sector da construção civil”, por sua vez “fundamental para o crescimento económico pelo seu grande poder de arrasto”. Num contexto nacional de “excessiva capacidade instalada” do sector e de falência, Rio diz que se este “conseguir aproveitar” aquele negócio e tiver condições para o realizar isso será positivo para o Porto e o país em geral”. Um falhanço do actual modelo de reabilitação seria, pelo contrário, “dramático” para o sector e, consequentemente, para a economia nacional. “Se nem aí (reabilitação urbana) conseguir trabalho, como iria sobreviver?”, questiona o autarca, preocupado com um cenário de um sector, todo ele em falência.” Daí que passados três anos ainda se andava a falar do mesmo, comprovando que o modelo até podia ser bom mas alguma coisa tinha que não o deixava funcionar, conforme justifica o nosso amigo Francisco: “a ‘atracção’ da Baixa do Porto já foi “demonstrada”. Falta “criar condições” de habitabilidade que “fixem as pessoas na Baixa”, condições essas que passam pelo arrendamento. Quem o diz é Francisco Rocha Antunes, director da ULI Portugal (Urban Land Institute) e actual responsável pela recuperação da Praça D. João I, um projecto enquadrado no planeamento da Porto Vivo, cuja estratégia é realizar as reabilitações físicas enquadradas numa lógica de quarteirão.”
4º Momento – A legislação é mudada, a administração da Porto Vivo também e o carrocel continua a girar sem que a tão esperada reabilitação aconteça de facto. Com alguma tristeza somos forçados a admitir que nada se fez, com alguma relevância, depois da saída em 2008 do Dr. Joaquim Branco da administração da SRU.
É neste contexto que em Abril do ano passado, depois do ‘Eterno Agricultor’, surge o Dr. Rui Moreira. Chega sem honra e parte sem glória, envolto em confusões e conflitos que, vaticinamos, o deixarão pior do que estava antes de ingressar na Porto Vivo. Na verdade não é só pela nomeação da directora do IHRU, nem só pela falta de dinheiro ou outra qualquer desculpa que possa arranjar. O problema principal foi ter caído dentro de um buraco cheio de víboras, como muitos que a ‘política zero’ tem, é necessitar encontrar respostas para as questões e não haver forma de as obter, é querer mudar alguma coisa por pensar pela própria cabeça e a ‘máquina’ cujos esquemas se encontram montados não o deixar, etc..
Saindo de fininho sem mais alarido, o Dr. Rui Moreira não tem que explicar mais nada, como por exemplo: porque razão a SRU é parte interessada num fundo imobiliário que é gerido por uma ex-administradora; ou porque as empresas que prestam serviços de construção são sempre as mesmas – Norporto, Nortejuvil, Teodoro Valente, Lúcios, etc. – como por exemplo a ERI, gerida por um vereador da Câmara de Gondomar, nº 2 do PSD, cujo nº 1 da lista é administrador da SRU; e o que é que se passou com os edifícios do Corpo da Guarda, estes anos todos sem solução; ou como é que um coordenador pode também representar o parceiro privado num programa de materiais de construção civil (cuja marca é detida por uma empresa de tintas onde o Dr. Rui Rio já foi director); ou porque 80% dos funcionários da Porto Vivo são amigos, parentes ou correlativos; grande parte deles com actividades particulares que conflituam com o desempenho das funções.
No fundo o Dr. Rui Moreira é uma pessoa só, não tem quem o assista a evitar dizer disparates como “Aeroporto”, ou pedir que os concelhos vizinhos contribuam para a reabilitação do CH do Porto, ou dizer que a culpa do atraso nas obras é dos arqueólogos, ou deixar-se usar pelo Dr. Rui Rio nas lutas contra o autarca de Gaia.