à tripa-forra, por ssru

Os tripeiros, aqueles que comem tripas, reuniram-se para celebrar a candidatura do seu prato predilecto ao concurso das 7 maravilhas gastronómicas de Portugal. Nós que comemos tripas quando a tripa deixa, chegamos cedo. Fomos a pé pois sabemos que o percurso a subir, de volta a casa, fará o seu trabalho de ‘desmoer’ o repasto. Ficou assim marcado o nosso apoio a tão nobre candidatura, com o nosso apetite e os oitos votos que deixamos nas “urnas” gastronómicas das maravilhas. Simples e sem polémicas.

No caso concreto a polémica existente até ajudou a que o número de pessoas a ver, fosse maior que o que comia, o que é esquisito, mas não deixa de ser uma forma de promoção. Apesar de fúteis, estéreis e passageiras as polémicas abundam a nossa vida, colorindo-a e salpicando-a de picardias. Haverá ainda quem se admire com cada uma dessas passagens mundanas do quotidiano, mas a outros já nada espanta. Por ironia do destino, o mega-almoço decorreu no local onde a vista do Porto é a mais privilegiada, tal como costumava dizer um dos maiores arquitectos portuenses e portugueses, Viana de Lima, “ao menos aqui a vista é boa e não se sente o cheiro daquela cambada…”. Por cambada entenda-se os responsáveis pelo destino da cidade à data em que era consultor do CRUARB, coisa de que o actual edil se safa por evidente “lapsus tempus”.

Espantará pois que o nosso Presidente não apoie esta candidatura que, pelo seu significado simbólico, mereceria o maior empenhamento de todos os portuenses e responsáveis autárquicos? A nós não! A justificação para tão ‘meritório acto explica-se porque a autarquia “sempre esteve interessada em divulgar a gastronomia da Cidade do Porto, nomeadamente as Tripas à Moda do Porto, as Francesinhas e o Bacalhau à Gomes de Sá, como aliás, se encontra a fazê-lo neste momento, através de vários meios”. “Apenas decidiu retirar candidatura formal das tripas à Moda do Porto, logo no início do concurso, depois de saber que um particular, em concreto o restaurante D. Tonho, já tinha concorrido com as Tripas à Moda do Porto”; (o melhor vem agora) “mesmo sabendo que, por ser uma instituição pública, iria sempre ganhar em relação a um restaurante, o Departamento de Turismo optou por não entrar em concorrência e dar projecção ao restaurante nesta matéria”. “Até porque o mais importante, voltamos a dizer, é a promoção da gastronomia do Porto”. (quem souber traduzir estas partes do “em concorrência”, do “iria sempre ganhar” e da “promoção da gastronomia”, façam o grande obséquio de nos escrever).

Assim, com a barriga forrada de “dobrada” (como lhe costuma chamar um amigo de outro hemisfério) compreendemos melhor que o nosso edil tenha estas presenças de espírito que o deixam a planar nas nuvens do firmamento político, a ponto de merecer dos portuenses e dos tripeiros as suas maiorias eleitorais consecutivas.

Será certamente por tiradas epistemológicas, à tripa-forra, como a que proferiu há dias, na inauguração oficial do Hotel das Cardosas, referindo que “só no Porto é que há quem diga mal de tudo, coisa que não acontece em Lisboa nem noutras cidades”, que fazem com que este povo, que já foi mais lúcido, opte por tão [ironia] democrática personagem. Aludia ali, ao artigo que o JN tinha publicado horas antes, dando o exemplo de algumas praças da cidade que se encontram ao abandono e na maior degradação, quando se pretende inaugurar uma nova no interior de um quarteirão. Estas azias do nosso edil soam a reacção a quem ‘diz diferente’, não a quem ‘diz mal’, coisa que todos sabem existir em tantas cidades ou lugarejos do país (uuui, só em Lisboa…).

Mas as azias, que se curam com uma boa feijoada, têm o ponto alto na votação que se encontra a decorrer e da qual fazemos o melhor eco, deixando aqui abaixo os endereços. Já sabem que, como diz o outro: “Quem não votar nas tripas não é um bom portuense nem um bom nortenho”. Pelo menos até ao dia 7 de Setembro, data limite para a votação!

a asfixia democrática, por ssru

Os administradores deste Sítio embarcam em modas e decidem articular sobre um tema que dominou as atenções nas últimas campanhas eleitorais, para mal dos pecados de todos os portugueses. Contudo não desejamos debruçar-nos sobre as ‘escutas’ que tanto perturbaram o Palácio de Belém e o Presidente da Nação, mas antes a videovigilância de espaços públicos, ruas e praças do Centro Histórico do Porto, nomeadamente na Ribeira.

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A troco de rapidez, conforto e segurança uma rede de tecnologias tão aperfeiçoada, englobando sistemas complexos como satélites de observação, passaportes biométricos, câmaras de videovigilância, etc., prometem proteger-nos da criminalidade e do terrorismo. Dessa forma agimos como cúmplices da ‘sociedade da vigilância’ que nos observa, nos monitoriza e classifica. Os nossos cartões bancários dizem o que gastamos e onde o fazemos, os nossos telemóveis deixam-nos contactáveis 24 horas por dia, o GPS georeferencia-nos e guia-nos no caminho, quando usamos a Via Verde sabe-se onde andamos, a Internet coloca o Mundo dentro do nosso computador encurtando as distâncias e ajudando a diminuir a nossa solidão.

Afinal de que temos nós tanto medo e quais as vantagens de um sistema de segurança que nos limita e tolhe um direito fundamental – a privacidade?

Segundo os especialistas os medos de hoje estão intimamente ligados ao contexto de uma sociedade mais próspera que receia ver o seu património e a sua integridade física ameaçados. Receia as catástrofes, o terrorismo e embora Portugal não esteja no centro da atenção das grandes ameaças e alvo do flagelo da grande criminalidade a verdade é que as nossas vizinhanças próximas estão cada vez mais perigosas.

E o pânico aumenta quando os nossos políticos e a nossa comunicação social não se cansa de repetir vezes sem conta, as possibilidades de pandemias e atentados, um sem número de castigos terrestres… o que dilata o efeito emocional de insegurança nos cidadãos.

Diz-se então, que “o binómio liberdade e segurança é indissociável”, para termos um pouco mais de segurança temos que abdicar igualmente da nossa liberdade. Dizem que a segurança tem que existir, que é um reflexo das sociedades modernas e que quando bem controlado, por quem de direito, é um excelente método de dissuasão não só na criminalidade comum, no assalto de rua e a lojas, como também na criminalidade organizada e no terrorismo. Posteriormente é um bom instrumento de ajuda na investigação criminal.

A realidade parece ser bem diferente. O exemplo de um sistema de cerca de 25 milhões de câmaras de videovigilância existentes no Reino Unido não se revela eficaz na prevenção da criminalidade. Os responsáveis policiais britânicos dizem que o resultado é um completo fiasco, que ninguém tem medo das câmaras e apenas 3 por cento dos crimes foram resolvidos com a ajuda do sistema. Por outro lado o efeito dissuasor e preventivo das câmaras, sobretudo nos ataques pessoais, é extremamente frágil porque há indivíduos que não se incomodam com o facto de estarem a ser filmados, o que no caso particular dos terroristas até lhes agrada o facto dos seus actos ficarem dessa forma perpetuados.

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no prédio à direita vemos ainda um sistema particular de recolha de imagens

Em Portugal a legislação prevê a utilização da videovigilância na via pública para o trabalho das polícias e permite às Câmaras Municipais a possibilidade de serem estas a solicitar a instalação do sistema junto do Ministério da Administração Interna, que por sua vez pede à CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados, a emissão de um parecer que é vinculativo.

A CNPD tem na sua página Internet um artigo cuidado e extenso, que tem o título de “PRINCÍPIOS SOBRE O TRATAMENTO DE VIDEOVIGILÂNCIA”. Lendo isto ficamos conscientes do verdadeiro problema, cujo fenómeno em termos de pedidos à Comissão variou de 67 em 2000, para os 2667 pedidos de parecer em 2007.

Mas relembrando o caso da Ribeira do Porto, falamos de um assunto antigo que começou a evoluir muito mais rapidamente a partir daquele fenómeno de violência, que posteriormente se traduziu numa operação policial conhecida como “Noite Branca”, na sequência de uma guerra territorial entre membros de grupos com ligações à segurança privada de discotecas e bares da cidade.

Polémicas à parte sobre quem propõe a instalação, sobre todas as vezes que se falou sobre o assunto na comunicação social, a mudança do operador que atrasou a entrada em funcionamento e os proveitos políticos que daí possam ter resultado, o sistema lá está a funcionar, inaugurado com pouca pompa e menos circunstância pelo Sr Ministro e respectivo Gabinete, estando previsto funcionar durante um ano, conforme previsto na Lei, sendo que o seu custo terá orçado os 170 mil euros(?).

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A nossa posição sobre este assunto é muito clara: só por si, um sistema de videovigilância não é e não substitui o papel de um agente da autoridade. É fundamental o policiamento de proximidade, que só se consegue com a colocação de agentes a desempenhar o papel preventivo, o auxílio imediato às vítimas, o conhecimento factual e o tratamento objectivo de dados, conhecendo as pessoas pelo nome, zelando pela segurança dos cidadãos.

Para corroborar esta nossa opinião, correndo o risco de nos repetirmos tal como no artigo anterior, socorremo-nos de alguém que tem o poder de colocar em palavras simples, grande parte daquilo que pensamos. Trata-se do Ilustríssimo Professor Dr. Manuel Veiga de Faria, Coordenador para a área de actividade do direito da informática e das novas tecnologias, da sociedade de advogados “José Pedro Aguiar-Branco & Associados, RL”. Num curto e esclarecedor vídeo, colocado na página Internet da JPAB – Sociedade de Advogados, intitulado “Câmaras de videovigilância na Ribeira”, o especialista explica melhor do que ninguém este assunto, pelo que consideramos fundamental que os nossos leitores façam o favor de assistir: http://www.jpab.pt/Videos.aspx?id=139

nota: a este respeito ler também a 5ª Cidade, num artigo com quase um ano, que nos remete para um texto soberbo com o título “Sobre o eterno retorno das ‘classes perigosas’ “

nota a 26 Outubro 2009: duas notícias com relevância sobre este assunto no Público de hoje, “Videovigilância com “patrulhas” automáticas e filtros para as janelas” e “Segurança na Ribeira“.

nota a 29 Outubro 2009 : “PSP expulsa agente com ligações à segurança na noite do Porto“, num artigo do Semanário Grande Porto, datado de 16 de Outubro de 2009.

nota a 31 Outubro 2009 : “Câmaras na Ribeira filtram os alertas“, texto bastante justificativo, no JN de hoje.

a obsessão pelo supérfluo, por ssru

Os prémios Secil de arquitectura e engenharia, têm merecido por parte dos Media uma exposição considerável, sobretudo devido ao prestígio angariado ao longo de quase duas décadas, pelos montantes em causa e pelas obras e renome da maior parte dos vencedores.

Para além destes, a Secil estimula a participação dos alunos finalistas dos cursos de arquitectura e engenharia a apresentarem os seus trabalhos a concurso.

Surpreendeu-nos, contudo, a exposição mediática que a ponte para peões recebeu, desenhada por um jovem aluno de engenharia para a ribeira do Douro, ligando as duas margens. Talvez mesmo por ser para aquele local.

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Antes de continuarmos façamos um desvio para um artigo de ontem, no Jornal de Notícias, dando conta da inauguração em Março de uma escultura evocativa da tragédia da Ponte das Barcas, no âmbito das comemorações dos 200 anos das invasões francesas.

(…)No processo de concepção, Souto Moura recorda que idealizou uma instalação “mais proeminente”, mas o desenho final é mais “resguardado” para salvaguardar a navegação no Douro. Uma das preocupações foi que a escultura não interferisse na paisagem.(…)

Tendo em mente o que acabamos de ler vamos continuar dizendo que já em 2006, também uma ponte pedestre pênsil ganhou este prémio e localizava-se junto à Ponte Luiz I, onde sobram as ruínas da anterior ponte pênsil.

Para além desta (e de tantas mais), uma outra também apresentada na mesma ocasião e da qual se dizia (…)A nova ponte nascerá a 500 metros da Ponte D.Luís I, à cota baixa e a jusante da Praça da Ribeira, no Porto, e da Praça Sandeman, na marginal de Gaia, num local onde o leito do rio se torna mais largo, atingindo os 250 metros de largura.(…) [em termos estéticos esta ponte, de Adão da Fonseca, é de longe a melhor!]

No estudo que o arquitecto Pedro Balonas apresentou e com o qual ganhou o Concurso de Ideias da Frente Ribeirinha percebemos que: (…) O plano, que foi atribuído ao arquitecto portuense Pedro Balonas, vencedor do concurso público internacional lançado para o efeito, prevê também duas pontes, uma pedonal entre a zona da Alfândega e o extremo oeste do Cais de Gaia, e a outra que sairá para Gaia frente à Rua de D. Pedro V. Ambas têm como função principal aliviar os centros históricos de Porto e Gaia da pressão do tráfego automóvel de atravessamento do Douro. “Estas novas pontes serão à cota baixa, mas terão que possibilitar o trânsito dos navios de grande porte que agora circulam no rio, pelo que serão alinhadas, em termos de altura, com o tabuleiro inferior da ponte de D. Luís”, disse.(…) aqui!

Um projecto de uma ponte para peões como aquele que ganhou o Prémio Secil Universidades 2008 e para o local indicado é simplesmente intolerável. Mesmo como exercício pedagógico deixa tudo a desejar uma vez que os pressupostos (expressos no texto que acompanha o desenho) se encontram mal fundamentados e de incompreensível aplicação à realidade. Por muito transparente (?) que esta ponte seja, localiza-se num conjunto paisagístico urbano que foi classificado como Património da Humanidade e em nada contribui, nem com a necessidade da sua existência, para o enriquecimento desse património. O que significa que, estando a mais, não faz falta.

Com algum risco enunciamos a nossa visão do problema e indicamos um caminho para a sua resolução. Com risco porque é tão fácil dizer disparates e acertar é sempre mais difícil.

Cremos que um dos principais problemas do Centro Histórico e do Porto, é sem dúvida o problema do trânsito e do excesso de automóveis numa cidade espartilhada e morfologicamente acidentada como esta.

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Muitas são as soluções para a cota alta, mas para a cota baixa existe apenas a tão velhinha ponte de ferro, cujo tabuleiro superior já mudou as suas funções. Acreditamos que está na hora do tabuleiro inferior da Ponte Luiz I passar a ser a nossa “ponte pedestre”. A circulação automóvel ficaria reduzida a veículos de emergência.

Só este facto revolucionaria toda a zona envolvente de um lado e do outro da actual ponte, acabando, finalmente, o conflito de trânsito existente do lado do Porto para entrar e sair do túnel da ribeira e para os lados de Gaia e Gondomar. As zonas para peões poderiam ser alargadas até à frente ribeirinha da Gustave Eiffel, uma vez que seria necessário apenas duas faixas de rodagem (vejam o passeio junto ao funicular, ridículo!), terminando com o entroncamento.

Em sua substituição necessitamos de uma nova ponte rodoviária à cota baixa, para que, com menos conflito e mais afastada do Centro Histórico, possa melhorar a circulação automóvel entre as duas margens. Assim, talvez fosse possível construir uma ponte de tal forma “esbelta e transparente” entre o cais da Alfândega e o estaleiro de construção de barcos rabelos no cais de Gaia, com cota suficiente para as actuais embarcações poderem passar.

Em alternativa às duas pontes à cota baixa (pedestre e rodoviária), previstas no último estudo aprovado de Pedro Balonas, julgamos ver resolvida a maioria dos problemas apenas com uma. Aliás, a localização de uma ponte rodoviária junto a Massarelos e a esta cota, nada resolve em relação ao CHP, como irá impedir a realização de saudosas regatas de navios veleiros que o Porto não vê há alguns anos, podendo chegar pelo menos até à Alfândega!

Estaríamos a transferir os problemas da Ponte Luiz I para aqui? Talvez. Mas temos habilitações e tecnologia para minimizar os estragos, mais do que em séculos anteriores.

Acreditamos que é em momentos de dificuldades que a racionalidade impõe que deixemos de lado equações supérfluas, diríamos até, delinquentes, mesmo que a tendência seja para que muitas cidades de Portugal já tenham a sua ‘ponte pedonal (?)’, o que lhes tem servido de pouco quando enumeramos a longa lista de verdadeiras carências básicas de que os cidadãos vão padecendo.