O País vai ardendo aos poucos, infelizmente. Já não é só o Centro Histórico do Porto. O manto de cinzas não cobre apenas este Património da Humanidade, esta paisagem urbana sem igual, mas enche de negro outros Patrimónios Mundiais, outras naturezas de beleza desconcertante como o Parque Nacional da Peneda-Gerês, o nosso pulmão eleito de beleza ímpar, assim tão perdido e descontrolado, reduzido a nadas.
Homens grandes em lágrimas infantis, a soluçar nas mãos vazias o trabalho de uma vida; mulheres que gritam desvairadas, com ganas de raiva, a apontarem a mangueira do jardim para o inferno desigual, que lhes lavra atrás das casas; bombeiros e bombeiras empoleirados numa corda bamba, aguardando as ordens de “comandantes” que desconhecem e que os mandam para uma frente de guerra, apenas protegidos pela causa que abraçam, que os mata por vezes; aviões e helicópteros que sobrevoam as chamas mesmo ali, ao alcance das câmaras das televisões e que nos custam a todos muitos centos de euro à hora.
E ao fim do sétimo dia, poucos se perguntavam por que razão o Parque ainda estava a arder. Mesmo rasteirinho o fogo desbastava as encostas outrora verdes de encantar, cheias de vida. Tanto que se perde assim de repente, de uns dias para as noites… E o povo que acorre e corre em seu próprio auxílio, muitas vezes já não conta com mais ninguém. Os turistas mudam de paragens. Os emigrantes voltam para o segundo País. Os que ficam nem fazem contas ao prejuízo e recolhem os “trapos” para os erguer de novo. Os bombeiros voltam exaustos ao quartel à procura de um colo para repousar. E os políticos farão mais um discurso, mostrando que se preocupam e o quanto lhes custou interromperem as férias para poderem estar ali em frente às câmaras de televisão, inúteis…
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E quando julgávamos que tudo estaria perdido, que ninguém se daria ao incómodo de colocar o problema no seu devido lugar fazendo as perguntas certas, eis que o Jornal Público publica hoje um trabalho que merece todo o nosso respeito. E ainda têm tempo para fazer, não uma mas vinte perguntas, das quais salientamos as seguintes:
“Quem manda no combate aos fogos? Em 2006, na sequência da nova lei de bases da Protecção Civil, foi criado o Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro, que define as regras de articulação entre as várias entidades ligadas a esta área no teatro das operações. Introduziu-se assim a filosofia do comando único, que salvaguarda, contudo, a dependência hierárquica de cada organismo. Na Autoridade Nacional de Protecção Civil está o Comando Nacional de Operações de Socorro (o CNOS possui um comandante nacional, um segundo comandante e três adjuntos), que está no topo da hierarquia de comando das operações. A nível distrital existem os Comandos Distritais de Operações de Socorro, também com um comandante e um segundo comandante, responsável por este nível. Todos os anos o CNOS emite uma directiva operacional, que dá conta dos meios disponíveis em cada fase dos incêndios e do funcionamento do dispositivo. Mas quem comanda no combate de um fogo é o primeiro a lá chegar, sendo depois substituído normalmente por um comandante dos bombeiros locais. Os casos mais complexos são geridos pelos comandantes distritais ou por um responsável do CNOS. M.O.”
“Há interessados nos incêndios? Muito se fala na gíria popular das redes criminosas ligadas ao fenómeno dos incêndios. Contudo, as alegadas máfias do fogo, ligadas à indústria da madeira, aos interesses imobiliários ou às empresas de meios aéreos, nunca foram detectadas nas investigações da Polícia Judiciária, que tem competência exclusiva para investigar os incêndios dolosos. Desde 1997 que o Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais estuda os incendiários condenados e, a partir de 2000, os detidos pelas autoridades, tendo concluído que mais de 90 por cento são homens e a maioria tem mais de 36 anos. Na generalidade, fazem-no fruto de perturbações psíquicas ou por vingança. Desde que em Setembro de 2007 o Código Penal autonomizou o crime de incêndio florestal, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais contabiliza vinte pessoas condenadas, 12 das quais foram consideradas inimputáveis e obrigadas a cumprir medidas de internamento em instituições psiquiátricas. “A opinião pública sobrestima fortemente as causas intencionais com objectivos económicos (que são insignificantes) e praticamente ignora as associadas a produção agro-pecuária, as realmente mais comuns”, nota Tiago Oliveira, engenheiro florestal, que fez parte da equipa que elaborou a proposta técnica do Plano Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios. M.O.”
“Existe legislação específica para o ordenamento florestal? Um dos problemas que repetidamente se associam ao drama florestal relaciona-se com o labirinto da legislação. Depois de vários anos de debate, a Assembleia da República aprovou em 1996 a Lei de Bases da Política Florestal, que, naturalmente, se tornou a matriz do ordenamento florestal português. Aí se previam dois níveis principais de intervenção: a escala regional e a escala da associação local de produtores. Para a primeira, foram lançados os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), para as segundas as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), cuja aprovação estaria dependente de planos de acção nos quais se determinariam as regras básicas do ordenamento e da gestão desses espaços, incluindo medidas ao nível da prevenção dos fogos. Os PROF, porém, demoraram três anos a ser regulamentados e a sua publicação só aconteceu depois de 2006. As ZIF, por seu lado, tiveram enquadramento legal em 2005 (nove anos depois de previstas na lei de bases) e, entretanto, foram-se disseminando pelo território. Actualmente há 27 no Norte, 64 no Centro, 18 em Lisboa e Vale do Tejo, duas no Alentejo e 16 no Algarve. Mais crítico do que o seu número é a sua operacionalidade: na sua grande maioria, as ZIF continuam no papel, sem qualquer acção concreta ao nível do planeamento e ordenamento. Falta-lhes uma competência básica: a de poderem vender os produtos da exploração florestal. Sem este estímulo, “vai ser difícil obter os resultados que se esperavam das ZIF”, diz João Soares, agrónomo e ex-secretário de Estado das Florestas. M.C.”
Foto@LUSA