Todo o cidadão tem direito à indignação, tem o direito de denunciar aquilo que considera um ultraje ao seu património e ao da sua comunidade. Acrescentamos ainda que é obrigação de todos zelar pelo Bem Comum, até porque este nos pertence.
Muitos concordam com esta visão da forma de intervirmos, enquanto cidadãos da mesma rua, do nosso bairro, da nossa cidade…
A Dr.a Maria José Morgado parece ser da mesma opinião, reforçando que não cabe ao cidadão provar nada, esclarecendo desta forma qual deve ser o papel da sociedade civil:
- “(…) eu vou dizer isto numa palavra que pode parecer brutal, mas é, denunciar, denunciar, denunciar, e as pessoas não se deixarem impressionar com as exigências de “concretize, diga nomes, prove”, provar é no tribunal, provar é no tribunal, instrução dos processos e recolha de prova é no tribunal, as denúncias as pessoas podem e devem fazê-las caracterizando os fenómenos, não é ofender o bom nome de ninguém mas é caracterizar os fenómenos. Aliás nós vivemos no maravilhoso mundo da presunção de inocência, a presunção de inocência é só, só, tão só uma regra de apreciação das provas para os senhores juízes utilizarem quando estão a decidir um caso ou seja quando alguém é presente em julgamento só pode ser condenado se os factos se provarem para além de toda e qualquer dúvida e é isso que se chama a presunção de inocência, mas a presunção de inocência não serve para eu ser desonesto e me manter no lugar e não permitir que ninguém me critique ou não permitir que a opinião pública se indigne com o resultado da minha actuação. A presunção de inocência é uma regra técnica, é uma regra de apreciação de provas, não é uma regra de substituição da ética e da honestidade dos cargos públicos, e portanto quando eu digo denunciar, denunciar, denunciar, é denunciar a desonestidade, a falta de decência no desempenho dos cargos, isso as pessoas têm direito a denunciar e não são obrigadas a apresentar provas(…)”
A maior parte da correspondência que recebemos é enviada por concidadãos que se identificam não só com este projecto que coordenamos, como com o anonimato que prezamos, denunciando os inúmeros atentados, o desprezo e maus tratos ao nosso património e por isso à nossa Identidade e à nossa Memória.
Ainda que com alguma insuficiência, tem sido possível, no todo ou em parte, utilizar as informações e sugestões dos nossos leitores e articulá-las neste sítio, faltando ainda tanto para dizer e fazer.
Transcrevemos um desses sugestivos exemplos de alguém que exprime a sua revolta perante o anunciado projecto de transformação do Palácio de Cristal e dos seus jardins. Omitimos apenas o nome do autor, conforme nos é solicitado:
“Ex.mos Senhores, Utilizo este meio para solicitar a atenção da SSRU para uma situação que me deixa preocupado.
Se consultarem o site da CMPorto verificam que foi divulgado, há pouco tempo, um projecto para reabilitação do Pavilhão Rosa Mota e sua envolvente. Este lançamento foi efectuado, tal como tantos outros em que o Sr. Rui Rio se envolveu, sem os serviços do IGESPAR ter aprovado o projecto e perante um parecer negativo de alguns serviços a uma das partes do projecto.
Aqui está a minha preocupação: querem transformar um dos poucos exemplares que ainda sobram do projectista Emile David, o lago, e transformá-lo num espelho de água.
O arquitecto José Carlos Loureiro que me desculpe, o projecto dele pode ser muito interessante, mas tal como tantos arquitectos que consideram todos os projectos “seus” e não gostam que os modifiquem, poderiam pensar duas vezes em fazê-lo a exemplares raros.
Depois da desgraça que fizeram a outro exemplar de Emile David, o Jardim da Cordoaria (como é conhecido), vejam em que estado colocaram aquele lindo jardim, espero que não continue a acontecer.
Todos os jardins particulares têm sido substituídos um a um por prédios, os públicos são arrasados. Tenho receio que mais um desapareça.
Os serviços da Câmara, neste caso, a Cultura não tem peso nenhum e os seus directores só se interessam por festas e dinheiro, o Urbanismo só pretende encher os cofres da Câmara.
Um dos poucos organismos que poderiam salvar a situação, o IGESPAR, não é nada mais que um peão movimentado ao sabor dos interesses económicos.
No meio desta desgraça, a vossa voz surge com as palavras que todos os que se preocupam sentem, mas não podem exprimir.
Neste caso, penso que só a população poderá fazer algo, pois as eleições aproximam-se.
Não sei se o caso tem interesse para vocês, mas fica a minha revolta.
Por várias razões, prefiro não me identificar.
Espero que me compreendam e desculpem a escrita atrapalhada e apressada.
Atentamente”
Embora o Palácio de Cristal e os seus jardins não façam parte integrante do Centro Histórico classificado e delimitado pela antiga Muralha Fernandina, nem por isso deixaremos de referir o seu valor patrimonial e a negligência a que é sujeito de forma sistemática e, quem sabe, propositada.
Aliás, já o fizemos anteriormente num artigo que pretendia explicar “o modus operandi” dos políticos medíocres, deixando degradar o património para depois se tornar mais fácil a sua substituição.
Hoje não só reforçamos esta visão do modo perverso de actuação, como também a inatingível questão das prioridades da despesa pública.
Está anunciado que um “(…)investimento de 19 milhões de euros, comparticipado pelo QREN, vai permitir que, para além das actividades desportivas, exposições, grandes concertos, festas, espectáculos de circo e pista de gelo, se realizem congressos com capacidade até seis mil pessoas e seminários ou reuniões de menor dimensão(…)”, tudo isto para ajudar a projectar (reparem bem!!!) a marca “Porto, Cidade de Ciência” (?[só se for com os espectáculos de circo]?), que é algo que não compreendemos!
O Pavilhão dos Desportos é um edifício lindíssimo e merece ser salvaguardado, mas também o seu antecessor merecia e esse já não existe. Se analisarmos bem o que está a mais é o actual (que bem poderia estar noutro qualquer local da cidade), uma vez que todo o jardim romântico e restante envolvente permite uma inserção urbana de recorte mais clássica, com um impacte negativo menos óbvio que o existente.
Como isso já não é possível, pretende-se ‘desclassificar’ o jardim e o lago que está transformado num “CHARCO”, possibilitando a sua substituição por um “ESPELHO D’ÁGUA”!?
E agora, mais uma vez desenganem-se os distraídos, nós não somos contra este investimento de 19 M€, nem contra a melhoria deste equipamento de cidade que bem precisamos. Nem tudo se resume a uma simples troca de calcário por granito, como na Avenida dos Aliados. Aquilo que perdemos foi muito mais do que as flores e os canteiros que davam muito trabalho e prejuízo a arranjar. Perdemos Memória e Identidade.
É tudo uma questão de prioridades, pois quando tudo fazia crer que seria a “reabilitação da Baixa e do seu Centro Histórico” uma prioridade máxima, sabemos agora que, perante o fracasso redondo dos tempos de execução dos projectos, será necessário apregoar os chamados investimentos de “encaixe rápido”.
Querem substituir? Pelo menos procurem fazer melhor. Mas comecem antes, por tudo aquilo que é prioritário!
Se não souberem por onde começar, peçam ajuda…