o homem-estátua, por ssru

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A profissão de homem-estátua requer, para além de uma exímia caracterização, a aptidão para a arte da imobilização, fazendo depender disso a carreira de qualquer profissional que opte por tal meio de sustento. Daí que, quando acometido por uma “aflição”, porventura natural, o homem-estátua poderá não ter outro remédio senão “aguentar” para não perder, por exemplo, uma boa vaga de generosos clientes pasmados com os seus atributos na arte da “estatuária”. Já de um autarca, político de profissão, o seu contrato com o cidadão é bem diferente pois exige que respeite e lute pela causa pública, que governe com ponderação e que trate os dinheiros e a cidade que administra com extremosa dedicação. Mas do mesmo modo caso se veja fosforescido por uma “aflição” do espírito, pois que se contenha e que procure aconselhamento de quem percebe mais do assunto que ele.

O nosso autarca tem tido uma lide imensa, concentrando a sua atenção em espalhar novas estátuas pela cidade e mudando outras, gerando os mais diversos estados de alma ao povo. Para lembrar alguns casos recentes falaremos de um general-sem-medo, apeado ao nível simbólico de um ardina, ali à Praça de Carlos Alberto; de uma mulher de ancas largas e costas viradas para o Palácio Real (Sul) onde deseja marchar, em vez do quartel, à Praça da República; e um Camilo velho e enfadado, com uma Ana jovem e nua nos braços, num canto da praça (junto ao edifício que não terá nenhumas saudades) ao Campo dos Mártires da Pátria [terá pedido ao Francisco Barata para opinar?]. Isto denota um certo e preocupante padrão de comportamento do nosso político profissional.

Com a estátua do Porto, tivesse o discernimento que lhe é exigido pelo cargo, de perguntar a um arquitecto minimamente formado – que não da CMP, ou pior do GAEEP – e a resposta seria que era melhor “não”. Principalmente naquele lugar, desvirtuando o eixo da avenida e àquela altura do chão, quebrando o simbolismo da estátua, certamente “NÃO”! Mas em todo o processo foram os arquitectos os mais desrespeitados pelos políticos e criticados por uma população habituada a ignorar a sua própria cultura. De pouco valeu aos responsáveis da Ordem dos Arquitectos ou da DRCN, gastarem uma hora das suas vidas a reclamar e intentar perguntar ao autarca pela mudança, pois tudo se esqueceu com maior rapidez.

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Vejam, o caso da estátua “O Porto” constitui um falhanço dos portuenses, quer por aquilo que ela representa – um guerreiro do Norte – cujo simbolismo diz tudo ao espírito tripeiro; e talvez por isso mesmo, a deambulação a que foi sujeita depois de apeada, sem lugar no actual edifício “novo-rico” que acolhe a Câmara, até ser resgatada por um nobre arquitecto. Senão atentamos:

O palácio Monteiro Moreira foi construído na 1ª metade do século XVIII, localizava-se na Praça Nova e foi ocupado no início do século XIX para servir de Câmara Municipal do Porto. Para tal recebeu inúmeras obras de adaptação e reformulação onde passou a figurar a simbólica estátua “Porto”, destacada na parte superior do frontão do edifício municipal.

figuras da tese de mestrado de Rafael Santos Silva, "Praça da Liberdade: 1700-1932 | Uma história de Arquitectura e Urbanismo no Porto", Repositório Aberto U. Porto, 2006

figuras da tese de mestrado de Rafael Santos Silva, “Praça da Liberdade: 1700-1932 | Uma história de Arquitectura e Urbanismo no Porto”, Repositório Aberto U. Porto, 2006

Lá no alto via todos os portuenses na Praça e estes percebiam a hierarquia do poder. A emblemática estátua de granito era quase tosca, mas vista ao longe parecia a mais perfeita das obras. Ela sabia o que representava, pois representava todos os portuenses e nunca podia aproximar-se do chão que todos pisavam.

Mas um Rio de Calvários começa em 1917 com a demolição do edifício para abrir a Avenida dos Aliados, sendo a estátua apeada e reutilizada de forma a menoriza-la perto do chão, primeiro junto ao Paço Episcopal e depois junto de canteiros e flores nos Jardins do Palácio de Cristal. Até que o influente Arquitecto Fernando Távora se lembrou dela para a iluminar em alto ponto na construção da “Torre dos 24”, próximo da Sé, reforçando a lógica do poder municipal simbólico e independente.

As vénias ao inteligente arquitecto foram esquecidas após a sua morte. E como todos os problemas importantes da cidade se encontravam resolvidos pelos políticos da Urbe, surge uma aflição repentina que o “experto” em carrinhos de corrida sentiu sobre o local exacto “adonde” deveriam estar as estátuas.

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Primeiro quis mudar a “menina nua”, ou terá sido a “estátua do Porto”(?), mas deixou a “moça” para mais tarde e vendeu o novo poiso do “Porto”, pertinho do Banco de Portugal, colocando o casto soldado de olho posto na formosa menina, não vá o Diabo tecê-las. O eixo das estátuas da Avenida dos Aliados achou estranho a estranha posição esdrúxula do novo vizinho, mas achou melhor não fazer grande barulho ou confusão, pois este Rio político está quase a acabar. O “argumentório” de que agora está perto(?) do local onde estava antes, para além de ilegítimo pretende fazer de nós ‘debiloídes’!

o "Porto" de volta ao frontão do edifício camarário, seu poiso natural

o “Porto” de volta ao frontão do edifício camarário, esse sim, o seu poiso natural!!!

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Faltam ainda 6 longos meses de ideias surpreendentemente idiotas… o que virá a seguir nos próximos capítulos?! Talvez um “condomínio da cultura”, ou isso…!?